quarta-feira, 6 de maio de 2009

Movimentos de uma nau.


Preciso de movimentos. Tão necessário é a luz no contra para lapidar as formas e as cores a provocar emoções.
Espetáculo da noite: “Nau de Ícaros”, um grupo de atores e artistas que unem teatro, dança, música e técnicas circense.
Chego calmo, chego cedo. Entro devagar, em silêncio. Acompanhando o silêncio que é quase, ouço uma conversa que vem de longe. Vem de lá, junto ao palco. O som é puro, baixo e nítido. São colegas de trabalho jogando conversa na roda e contando passagens.
Dados uns cinco ou dez minutos de papo e cada um foi então para o seu posto.
O meu, mais uma vez na fileira “A” é quase central. Sento-me.
No palco apenas uma gamela com farinha e uma garrafa de vinho ao lado devidamente iluminadas por um único refletor Fresnel de 1000W (reduzido no dimmer até 400W mais ou menos). Mais nada, pelo menos até pouco antes da metade do palco. Ali tem uma cortina e do outro lado tem muito palco ainda. O que será que me aguarda? A pauta desta vez me pegou de surpresa. Não tive tempo de me informar sobre a apresentação da noite.
O silêncio pende. Rendo-me a reflexão. Penso, quem virá? Em que cor, em que velocidade?
Desta vez vou começar com a 105mm fixa 2.8. O ISO em 800 é uma esperança. A velocidade esta na ponta do polegar e a abertura no indicador. “Los dos son rápidos como el Cisco Kid y el diablo, su caballo”.
Então, pensando, grito: “Que viene los toros, pero ése viene en bifes!”
O silêncio e meus pensamentos foram rasgados pelo barulho das portas se abrindo e o público entrando. Conversas miúdas, murmúrios e risos contidos. Este é outro som singular. Geralmente acompanhado de perfumes adocicados e do cheiro do couro legítimo das bolsas e botas, adornado com roupas de gala retiradas do armário especialmente para a grande noite.
Tudo para ela foi feito. Foi pensado e ensaiado. Foi criado e composto, foi dedicado. Que de nada serviria tanto sem ela, a tão aguardada platéia.
“Senhoras e senhores, bom espetáculo!”

Ele entrou só. E foi bem ali, sob a luz do fresnel, que ele se juntou ao vinho e a gamela.
Estava começando um dos mais belos espetáculos que fotografei no ano.
Elas estavam chegando. As luzes. Algumas ao longe, fracas, âmbar. Outras, apino, quentes, presentes. As projeções no "Voil" me serviam de luzes azuladas. Luzes com pressa em movimentos calculados atrás dela, da moça que em seu lençol girava, girava...

Depois de garantir algumas fotos em grande angular, veloz como Cisco sacando sua 45, engato a 70-200mm. Adoro ela.
Neste tipo de apresentação, tenho diversas fotos que posso fazer no mesmo instante, no mesmo exato momento entre atores, projeções, cenário e elementos. Tudoaomesmotempodeumavezagora, vez ou outra, tropeço. E rio. Mais uma amostra da necessidade de estar concentrado. Quando em uma foto temos uma luz forte e bem marcada e no mesmo momento, em outra “ação”, vemos o oposto, uma outra foto ao longe, com pouca luz difusa e um contra suave, são segundos preciosíssimos para alterar a abertura, a velocidade, muitas vezes o ISO, com exagero, alterar o “balanço de branco” para "esquentar" um pouco mais, focar, lembrar de ligar o VR na lente (vibration reduction), já que levei o zoom a 200mm, fixar o foco com o dedo anular da mão direita em um botão que eu mesmo atribuí essa função a ele, enquadrar e disparar. Quer mais?

Este espetáculo tem muitas músicas, o que me deixa mais a vontade quanto aos decibéis gerado pelos incessantes clics disparados a 7 fps (frames por segundo).
O espetáculo é longo e com as trocas de luzes e cenários ou projeções, tenho tempo para respirar e dar um pouco de água ao Diablo.
No LCD da D300 assisto rapidamente um "slide show" dos arquivos que fiz, para ver a quantas andam.

Gostei do que vi e nem tão silenciosamente sorrio. A senhora ao meu lado, de cara nem tão feia, se espanta. Desculpo-me baixinho. Certamente ela não ouviu.
É hora de dar um “role” e achar novos ângulos. Na verdade, um role quase rolando de tão curvado que saí da poltrona para não atrapalhar ninguém. Corro como um roedor corre a procura de uma sombra segura. Mas não tem jeito, sempre alguns pares de olhos à espreita me seguem na escuridão. Eu percebo.
Aqui é um bom lugar. Junto ao palco, no canto esquerdo, posso pegar o movimento do trapézio mais de baixo, provocando confusões nos enquadramentos.

E quando algum deles está no chão o quadro é rasteiro, junto ao piso. Gosto também.

Na dança, ela gira pelos comandos de seu “partner”.

Então, mais um maravilhoso ensaio eu guardo. E com ele me alimento. Tal como uma porção de tacos alimenta Cisco Kid e um generoso fardo de alfafa alimenta el Diablo.
Bem, fico aqui, agradecido a Nau por me emprestar tamanha plasticidade e beleza em movimentos, marcados pela claridade sublime das estrelas deste céu de fantasias, a “Luz do teatro”. E que eternizo aqui, outrora e agora e por quanto tempo durarem estes arquivos digitais. Até mais.

4 comentários:

  1. Piu, tuas fotos (do grande Caralho) e tua paixão pelo Teatro ainda vão acabar me convencendo a trocar uma sessão de cinema por outra desta arte viva e presente. Fico muito feliz por ter sido um dos teus incentivadores a blogar legal desse jeito.
    Parabéns!
    Elcio (Capitão Mor)

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  2. faaaaaaaaala, Piu !!
    Seu texto tá 10, mano !!
    Gostei bastante e vou divulgar,viu ??
    Olha, em breve teremos tarde de clicks, viu ??
    Bjks
    LiLi g

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  3. Não quero falar das fotos. Mas do olho que tudo tira com a alma de fotógrafo. Essa é a diferença, a alma do fotógrafo. Esse olho não tem vida, não pira, não chora, não ri, não tem paixão pelo que faz, não trepa, apenas obedece.Essa alma de fotógrafo é que consegue ver vida na paixão dos outros. Não que eu tenha nada contra esse olho que alguns chamam de fotografica. O que sei é que quando esse olho tira belas imagens é porque esta referenciando essa alma de fotógrafo. E quando essa união acontece é porque se tornaram um só corpo. Não são as fotos que o Piu tira, mas são as fotos que veem até ele, porque sabem que através dessa união vão se tornar eternas. E meus amigos, essa união é algo que Deus deu para poucos.
    Piu Sam que mais belas fotos venham ao mundo, abençoadas pela sua alma de fotógrafo.
    Paulo Fui.....

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